Karl Marx ✆ Cássio Loredano |
O neoliberalismo (também escrito como neo-liberalismo)
desafia uma definição simples. Na literatura marxista, ele tem sido entendido
de quatro maneiras distintas, porém intimamente relacionadas: como um conjunto
de ideias inspiradas nas escolas
econômicas austríaca e de Chicago e no ordoliberalismo alemão, e elaboradas sob
a égide da Sociedade do Mont Pèlerin; como um conjunto de políticas, práticas e instituições inspiradas e/ou validadas por
esas ideias; como uma ofensiva de classe
liderada pelo Estado contra os trabalhadores e os pobres, em nome da burguesia
em geral ou das finanças em particular; e como uma estrutura material de reprodução econômica, social e política,
implicando que o neoliberalismo é o modo de existência do capitalismo
contemporáneo ou um sistema de acumulação.
Essas distintas formas de conceptualizar o neoliberalismo
são sintomá- ticas das diferenças de metodologia e de pontos de vista no
marxismo contemporâneo, das relações íntimas entre o marxismo e as abordagens
não-marxistas nas ciências sociais, e da complexidade do próprio
neoliberalismo. Do ponto de vista marxista, essas tensões analíticas são
sentidas em três níveis interligados.
Foto: Alfredo Saad Filho |
Em primeiro lugar, todas as experiências neoliberais
compartilham traços importantes. Alguns são relativamente abstratos e
universais, como o poder crescente das finanças e as limitações cumulativas da
democracia política, enquanto outros são relativamente concretos e específicos
a cada país, como as privatizações e a disseminação de organizações
não-governamentais em áreas que, anteriormente, pertenciam ao domínio do
Estado. Embora essas características comuns impliquem que o neoliberalismo não
possa ser adequadamente descrito na esfera meramente conjuntural, elas não são
suficientemente gerais ou historicamente distintivas para definir um novo modo
de produção. Inevitavelmente, portanto, análises do neoliberalismo perpassam
distintos níveis de abstração dentro do capitalismo, incluindo (algum tipo de
compreensão de) conceitos bá- sicos da teoria marxista como a mercadoria, o
valor e a força de trabalho, até a descrição da conjuntura, passando por
entendimentos específicos da explora- ção, das classes, da concorrência, da
formação dos preços, do Estado e do gerenciamento da acumulação, e do comércio
internacional.
Em segundo lugar, as análises marxistas são sistêmicas por
definição. Elas buscam incorporar, entre outros, os aspectos econômicos,
sociológicos, institucionais, políticos, jurídicos, culturais e ideológicos do
neoliberalismo. Isso, necessariamente, inclui como, por que e em que medida as
“reformas” neoliberais transformaram as estruturas da reprodução econômica e
social após a desarticulação do compacto keynesiano-social democrático no
âmbito das principais economias capitalistas, a paralisia do
desenvolvimentismo, a implosão do bloco soviético, as transformações aceleradas
na China e as crises na periferia europeia. Esta abordagem interdisciplinar e
historicamente fundamentada é incompatível com as fronteiras que dividem as
ciências sociais. No entanto, a influência dessas divisões continua existindo
por trás da análise, o que contribui para conceptualizações bastante distintas
das características do neoliberalismo, da articulação entre elas, e as suas
relações de determinação mesmo dentro do marxismo. Isso implica que análises
marxistas podem chegar, mais ou menos legitimamente, a conclusões bastante
distintas sobre a vitalidade do capitalismo contemporâneo, a sua
vulnerabilidade às crises, o espaço para a política eleitoral, a viabilidade de
alternativas radicais, e assim por diante.
Em terceiro lugar, enquanto a representação esquemática das
ideias que sustentam o neoliberalismo pode plausivelmente evitar o domínio
“internacional”, as experiências neoliberais são completamente inseparáveis de
processos globais de complexidade similar, especialmente o imperialismo e a
globaliza- ção. Também por esse ângulo o neoliberalismo não pode ser
encapsulado em uma frase de efeito: ele não pode nem ser definido de maneira
puramente conceptual, nem capturado indutivamente através da simples descrição
de experiências históricas.
A identificação destas dificuldades analíticas pode ajudar a
contextualizar as quatro interpretações marxistas do neoliberalismo identificadas
acima. Ela também pode apoiar a conclusão de que abordagens marxistas tendem a
ser superiores frente a explicações rivais do neoliberalismo. Enquanto as
primeiras são sistêmicas, baseadas na análise de classe, e fundamentadas numa
grande teoria (no sentido de Mills, 1959), as interpretações rivais tendem a
ser “middle range” ou largamente
descritivas, assistemáticas e – por vezes, apesar das aparências em contrário,
como no caso de várias interpretações keynesianas – metodologicamente
individualistas.
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