Karl Marx ✆ Ingrid Bouws |
Vivek Chibber * | Aproximadamente na última
década, o debate sobre a teoria marxista da história parece ter perdido força.
Isto não é algo inteiramente surpreendente, considerando a enorme energia
investida nessa questão durante cerca de um Quarto de século – nenhum debate
pode durar eternamente. Ao mesmo tempo, calmarías como essa podem ser
interpretadas como uma oportunidade para um escrutínio, por assim dizer.1 Isto
é particularmente verdadeiro no que concerne ao debate sobre o materialismo
histórico, já que essa é uma área na qual seus protagonistas seguiram
meticulosamente o fio da meada de seus argumentos e se esforçaram para manter
clareza. Na realidade, é possível mapear a extensão em que determinadas proposições
sobreviveram ao escrutínio, bem como argumentos opostos se mantiveram firmes.
Grande parte do crédito por ter instilado essa cultura nos debates marxistas é
de G. A. Cohen, cujo livro Karl Marx’s Theory of History: a
Defence quase que por si só elevou a qualidade dos argumentos sobre
o tema.2 De fato, a recente publicação de uma nova edição desse livro é um momento
oportuno para indagar sobre o lugar da teoria hoje.3
O livro de Cohen não é notável
apenas pela clareza e pela força do seu argumento. Ele também tem o mérito de
ressuscitar uma
versão do materialismo histórico que, no final da década de
1970, caiu em descrédito. Naturalmente, estamos nos referindo à versão ortodoxa
da teoria – tal qual elaborada por Engels em Anti-Dühring e
popularizada, sobretudo, por Plekhanov na virada do século – que designa as
forças produtivas humanas como o motor da história. Durante mais da metade do
século XX, o materialismo histórico ortodoxo foi considerado uma interpretação
natural das alegações um tanto vagas de Marx para sustentar uma teoria
definitiva do desenvolvimento histórico. Ele se tornou senso comum tanto para
marxismo oficial quanto para o dissidente. Foi apenas na década de 1960 – em
parte devido à influência do maoismo, em parte em virtude da celebração aos
recentes movimentos anticolonialistas – que essa teoria passou a ser criticada,
não apenas pelo mainstream, mas também pela nova esquerda.
O materialismo histórico determinista-tecnológico foi então contraposto a uma versão
que elevava a luta de classes a uma posição de primazia. Os teóricos que ganharam
popularidade entre a nova esquerda – Althusser, Gramsci, Habermas, dentre
outros – subestimaram sistematicamente a importância das forças produtivas, ao
passo que elevaram a importância dos conceitos de classe e de luta de classes
no cerne do materialismo histórico. Portanto, quando Karl
Marx’s Theory of History foi
lançado, a versão do materialismo histórico anunciada no livro havia decididamente
caído em descrédito junto a esse público.
O efeito imediato do trabalho de
Cohen foi um novo sopro de vida ao materialismo histórico ortodoxo – uma
conquista, em si mesma, impressionante. Mas a clareza com a qual Cohen
apresentou seu argumento também teve o efeito, como era de se esperar, de
revelar as falhas da sua da teoria. Examinaremos tais falhas em breve, com
certo detalhe. Por ora, o ponto a ser observado é que, dada a evidencia dessas
falhas, o materialismo histórico ortodoxo não recuperou seu status como a
interpretação
natural da teoria marxista da história. Muito pelo contrário: a versão da luta
de classes do materialismo histórico recebeu seu próprio impulso, primeiramente
através do trabalho do historiador Robert Brenner. No início, o questionamento
de Brenner foi indireto. Em uma série de artigos muito influentes, Brenner
desenvolveu um relato da transição europeia do feudalismo ao capitalismo que
dependeu muito pouco do mecanismo explicativo central ao materialismo histórico
ortodoxo.4 Não foi a exigência do desenvolvimento das forças produtivas que direcionou
a transição, mas sim o resultado contingente do conflito entre senhores e
camponeses. Logo a seguir, Brenner emite em dois trabalhos um desafio direto, tanto
a Cohen quanto ao determinismo tecnológico, sustentando não apenas que a teoria
era inválida, senão que ela poderia não ser nem mesmo aquela que Marx subscrevera
nos seus últimos anos.5 Concomitantemente aos questionamentos de Brenner, surge
uma série de críticas ao trabalho de Cohen, o que minou ainda mais a confiança
na versão tecnológico-determinista do materialismo histórico por ele desenvolvida.6
Assim, no final da década de 1980, os debates sobre a teoria da história
começam a se aglutinar em torno de dois polos – o materialismo histórico ortodoxo
e a versão da luta de classes – cada qual reivindicando algum grau de fidelidade
aos esparsos comentários de Marx sobre o assunto, e assentando-se, cada um
deles, em argumentos cuidadosamente elaborados.
Neste ensaio, proponho um
balanço das mais recentes tentativas de superar o impasse dentre as diferentes
versões do materialismo histórico. As tentativas em questão são as de Alan
Carling e as de Erik Wright, Andrew Levine e Elliott Sober.7 O que faz com que
os trabalhos desses autores sejam interessantes é o fato de reconhecerem em
Brenner e em Cohen dois modelos opostos de materialismo histórico e
desenvolverem – explicitamente (Carling) ou implicitamente (Wright, Levine e
Sober) – argumentos presentes no debate Cohen-Brener. Esses trabalhos reconhecem
os desafios colocados por Brenner à versão ortodoxa do materialismo histórico e
se empenham em modificá-la no sentido de torná-la imune às críticas consideradas.
No caso de Carling, isto é realizado através da apresentação do que ele alega
ser uma fusão dos dois modelos, uma reconciliação genuína; no caso de Wright,
Levine e Sober, o que é oferecido não é tanto uma fusão, mas uma versão mais
fraca do materialismo histórico de Cohen, mais modesta em suas reivindicações e,
segundo nosso entendimento, capaz de acomodar as críticas feitas à versão de
Cohen. Argumentarei que, enquanto as duas tentativas de resgate obtêm algum
sucesso, no final elas vacilam em uma das seguintes formas: ou simplesmente falham
em convencer, ou enfraquecem de tal modo as alegações da teoria, que esta acaba
perdendo o seu sabor caracteristicamente marxista. Esse segundo caso equivale a
um veredito favorável a uma versão alternativa do materialismo histórico,
baseada na luta de classes ou nas relações de propriedade.
Notas da Introdução
* Professor da New York University
(vivek.chibber@nyu.edu). Texto original: What Is Living and What Is Dead in the
Marxist Theory of History, Historical Materialism, Leiden, Brill, n.9, v.2,
2011, p.60-91. Tradução de Leonardo Schiocchet (PPGA/UFF); revisão da
tradução de Angela Lazagna.
1 Gostaria de agradecer a Charles Post, Erik Wright e Robert
Brenner por seus extensos comentários
a versões anteriores deste artigo, bem como ao comitê de Historical
Materialism. Agradecimentos
especiais a Sebastian Budgen, por me persuadir a tirar este
artigo da gaveta para a sua publicação.
Para um bom resumo do debate desde os anos de 1990, ver
Callinicos (2004).
2 Cf. Cohen (1978).
3 Cf. Cohen (2002).
4 Estes estão contidos em Ashton; Philpin (1985).
5 Para o primeiro escrito, ver Brenner (1986). Para o
segundo, Brenner (1989).
6 Ver, inter alia, Wright; Levine (1980); Katz (1989); Rigby
(1987); Martin (1983).
7 Os trabalhos relevantes são: Carling (1991); Carling
(1993); Wright; Levine; Sober (1993).
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