Karl Marx ✆ Florent Michelot |
Ruy Braga |
En los últimos quince años varios renombrados sociólogos, entre ellos
Pierre Bourdieu, se han comprometido de un modo continuo y profundo en el
debate y en la acción de las políticas públicas antineolibaerles y son, cada
vez más, reconocidos como aliados de los movimientos sociales. El objetivo de este
artículo es relacionar aspectos del llamado “marxismo abierto” con algunas
características generales de las “sociologías públicas”. Se analizan ciertos
puntos convergentes y divergentes de la relación de Pierre Bourdieu con el
marxismo y argumentaremos que la sociología pública “orgánica” propuesta por
Michael Burawoy representa una forma consistente e innovadora para
problematizar el vínculo cognitivo existente entre el conocimiento sociológico
y el conocimiento político democrático.
Estamos no Capítulo XI de O capital, dedicado, como sabemos, à “Cooperação”. Trata-se da
parte do Livro I na qual Marx inicia a análise propriamente dita do processo de
trabalho. Após definir a cooperação relacionando-a com a jornada coletiva de
trabalho, Marx caracteriza o comando capitalista do processo do trabalho como
atributo e necessidade do capital. Nesse sentido, entende que o comando
capitalista do trabalhador coletivo não representa uma função especial derivada
da natureza do trabalho social, mas
uma função social cujo objetivo consiste em explorar o processo de trabalho
social para, assim, produzir mais-valia sob forma despótica.
Após reproduzir em nota de rodapé uma notícia publicada no Spectator
e datada de 26 de maio de 1866, dando conta da formação na cidade de Manchester
de uma bem-sucedida associação fabril de trabalhadores que fez decrescer
subitamente o desperdício de materiais, melhorar as condições de trabalho e, ao
mesmo tempo, demonstrar em termos práticos a superfluidade da função dos
capitalistas, Marx observa:
O capitalista não é capitalista por ser dirigente industrial, mas ele tem o comando industrial porque é capitalista. O comando supremo na indústria é atributo do capital, como no tempo feudal a direção da guerra e a administração da justiça eram atributos da propriedade da terra. [Nota de rodapé 22a: Augusto Comte e sua escola poderiam ter demonstrado a eterna necessidade dos senhores feudais do mesmo modo que o fizeram em relação aos senhores do capital].
Dessa rápida passagem, é possível extrair ao menos três
ensinamentos úteis acerca do pensamento “sociológico” de Marx: em primeiro
lugar, encontramos a centralidade da crítica da reificação inerente à idéia de
que a função do comando capitalista carrega algo de “natural”, pois qualidade
derivada de algum tipo de “necessidade” universal; conseqüentemente, se não há
necessidade universal a nos constranger, o “comando supremo na indústria” torna-se
histórico e, portanto, transitório; e, finalmente, Marx observa como o
pensamento sociológico de “Augusto Comte e sua escola” encontra-se enredado nas
tramas da reificação conceitual inerente à tarefa da justificação teórica da
dominação capitalista.
Não deixa de ser curioso que o mesmo autor que redigiu essa nota
de rodapé tão depreciativa em relação à escola comteana tenha se transformado
em um dos “clássicos” da disciplina acadêmica inspirada pelo autor do Système
de politique positive. Na verdade, é possível inclusive conjeturar tanto ou
quanto maldosamente, admitamos, que essa nota de rodapé tenha antecipado em
várias décadas uma relação que se mostrou bastante alvoroçada.
Se, por absoluta falta de competência, não nos dispomos a
perscrutar a raiz do alvoroço, ao menos podemos descrever algumas das ruidosas
características da relação de Marx – e, por que não dizer, do marxismo – com a
sociologia.
Se, por umlado, Marx é hoje considerado de maneira
incontroversa umdos clasicos da teoria sociológica, por outro o diálogo daquilo
que podemos genéricamente chamar de “tradição marxista” com a sociologia
acadêmica é, para dizer o mínimo, problemático2. De um Gurvitch, afirmando que
o essencial de Marx radica em sua sociologia, até um Goldman4, refratário à
idéia de uma sociologia marxista, o caminho que vai do marxismo à sociología (ou
vice-versa) é longo e tortuoso. Trata-se deumterreno bastante pantanoso e
inteiramente refratário a consensos.
É bem verdade, também, que muitos são os encontros
mutuamente proveitosos e que podem ser registrados na Europa, nos Estados
Unidos ou mesmo no Brasil entre o marxismo acadêmico e a sociologia5: a
produção de Pierre Naville, na França, as diversas teorias da dependência latino-americanas, o marxismo “uspiano” dos
anos 1960, o debate sobre o processo de trabalho nos Estados Unidos da década
de 1970, além do surgimento do marxismo analítico anglo-saxão a partir dos
1980, servem como exemplos desses encontros bem-sucedidos:
Precisamente pelo fato de que a sociologia tomou muitos elementos do marxismo, tendo surgido, emparte, da polêmicacom este, os marxistas não podem prescindir dela, mas sim assumir criticamente suas descobertas parciais. De fato, os teóricos marxistas mais importantes do século XX (Georg Lukács, Antonio Gramsci, Theodor Adorno, Herbert Marcuse, Louis Althusser e Giovano Della Volpe) não se intimidaram em integrar as suas obras elementos tomados da filosofia e da teoría social liberal e conservadora. O próprio Marx marcou a pauta ao tomar Hegel, Smith e Ricardo, entre outros autores, como ponto de partida, e transformar suas idéias em elementos fundamentais de sua teoría.
Em contrapartida, Marx notoriamente está presente na teoria
da estruturação de A. Giddens, na teoria da ação comunicativa de J. Habermas ou
na teoria do moderno sistema-mundo de I. Wallerstein, apenas para ficar em
alguns exemplos de afamados sociólogos vivos. Outros encontros poderiam ser
invocados, mas não nos parece o caso de alongar demasiadamente a lista. Basta
dizer que, na comunidade sociológica mais importante do planeta, a
estadunidense, a obra teórica de Marx foi, mormente, tratada como um objeto secundário,
quando não abertamente hostilizada,emrelação às apreciações teóricas
construídas em torno de Weber ou mesmo de Durkheim.
O caso dos Estados Unidos é verdadeiramente emblemático.
Diante da repressão anticomunista e da ausência de um movimento socialista
vigoroso, o marxismo estadunidense foi geralmente compreendido pelos meios
acadêmicos como uma espécie de dogma – sustentado, portanto, por fundamentos
cognitivos irracionais e propagado por métodos igualmente insensatos –
professado por algumas categorias de intelectuais desejosos de falar em nome
das massas desprivilegiadas.
Não deixa de ser oportuno lembrar que, em 1965, mesmo ano do
início da escalada estadunidense na Guerra do Vietnã, Talcott Parsons em um
artigo preparado para a sessão plenária do encontro anual da Associação
Sociológica Americana (ASA) afirmou ser Marx um pensador social “cujo trabalho
tomba inteiramente com o século XIX” e “cujas predições a respeito da
trajetória do sistema social e econômico foram profundamente invalidadas pelo
curso dos eventos nas sociedades industriais mais avançadas”8. Problematizando aquilo
que considera a “cultura da sociologia”, Wallerstein introduz uma reflexão
acerca da “lista padrão” formada, em todo o mundo, por Durkheim, Marx e Weber.
Ao fazê-lo, o sociólogo estadunidense ilumina a especial localização de Parsons
nessa história:
Esse agrupamento foi em grande parte obra de Talcott Parsons
e seu trabalho formador da cultura da sociologia, The structure of social
action. É claro, Parsons pretendia transformar o trio Durkheim, Weber e Vifredo
Pareto em cânones da sociologia. Por uma razão ou por outra, ele nunca
conseguiu convencer os outros da importância de Pareto, que permanece
grandemente ignorado. E Marx foi acrescentado à lista, apesar dos mais
vigorosos esforços de Parsons para mantê-lo fora. Contudo, atribuo a criação da
lista essencialmente a Parsons, o que a torna, é claro, muito recente.
E, ao interrogar-se a propósito da inclusão de Marx e da
exclusão de Pareto da “lista padrão” sacralizada mundialmente, observa: “Quero
apenas perguntar por que a tentativa de Parsons de excluir Marx do quadro
fracassou tão miseravelmente, apesar da Guerra Fria e com certeza das
preferências políticas da maioria dos sociólogos do mundo. Creio que Marx
estava discutindo algo de uma obviedade tão central para a vida social que
simplesmente não podia ser ignorado, a saber, o conflito social”. É
perfeitamente possível concordar em parte com o argumento construído por
Wallerstein.
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