Karl Marx ✆ Fer |
Zaira Rodrigues Vieira | Tomemos
a definição de trabalho imaterial dada por Lazzarato: do ponto de vista de seu ‘conteúdo’, “o trabalho imaterial é o trabalho
que produz o conteúdo informacional e cultural da mercadoria (...). Do ponto de
vista da ‘forma’, a atividade imaterial pode ser apreendida apenas pela ‘implicação
da subjetividade’ e a cooperação produtiva do trabalhador coletivo” (1992/2:
54-55) ou ainda, trata-se da “produção e reprodução da comunicação e, portanto,
seu conteúdo mais importante: a subjetividade.” (1993/2). Nossa compreensão do
trabalho cientificizado é diferente do que pudemos apreender nos vários autores
que trataram deste assunto. A nosso ver, trata-se de uma forma social do
trabalho que permanece apresentando os traços indicados por Marx, fundamentalmente
o de se constituir numa interação do homem com seu mundo natural externo (sua natureza
inorgânica) e com a sua própria natureza. O trabalho atual não é algo que
implique a subjetividade dos agentes de maneira exclusiva ou independente das
determinações objetivas da atividade – como o entende, entre outros, também
Virno.
A chave da leitura dos Grundrisse feita por estes autores
talvez não seja, ela, sim, o materialismo, mas um certo tipo de
idealismo que entende
os processos humanos à partir de um ponto de vista abstrato pelo qual são
apenas certos complexos ideais, como a política, a ética ou a linguagem –
entendidos como autônomos em relação ao trabalho e suas determinações, que
podem explicar a vida humana e os problemas a ela correlatos. Ao que parece, entretanto, a produção não se
tornou, nos últimos decênios, processo comunicacional tout court ou processo
‘subjetivizado’, mas um processo social que dá forma aos sujeitos assim como
aos objetos da produção. Tratar-se-ia justamente daquilo que Marx disse nos Grundrisse:
Nesta mutação, não é nem o trabalho imediato efetuado pelo homem, nem seu tempo de trabalho, mas a apropriação de sua própria força produtiva geral, sua compreensão e sua dominação da natureza por sua existência enquanto corpo social ou, numa palavra, o desenvolvimento do indivíduo social que aparece como o grande pilar fundamental da produção e da riqueza. (1980, II: 221-223/592-594).
O trabalho, como bem antecipou Marx, não é mais fundamentalmente
expropriação de tempo de trabalho imediato, mas “atividade científica em geral”,
“aplicação teconológica das ciências naturais”, “apropriação de sua força
produtiva em geral”. Assim como os sujeitos vêm a ser objetivamente, também
eles, sujeitos sociais, no lugar dos individuos isolados no processo de produção.
Neste texto de Marx, tratar-se-ia, de uma resolução da alienação [Entfremdung],
da cisão entre indivíduo e sociedade. De uma resolução feita realidade no
processo mesmo do desenvolvimento do capital. Superação objetiva pela qual a
atividade dos indivíduos vem a ser
imediatamente universal ou 'social'; os momentos objetivos da produção são despojados desta forma de alienação [Entfremdung], eles são postos, então, como propriedade, como corpo social orgânico no qual os indivíduos se reproduzem enquanto indivíduos singulares, mas indivíduos singulares sociais. As condições que os fazem o que são na reprodução de sua vida, em seu processo vital produtivo, não foram postas senão pelo próprio processo econômico histórico - tanto as condições objetivas, quanto as subjetivas - as quais são apenas as duas formas diferentes destas mesmas condições. (Marx, 1980, II : 323)
Como sabemos, ester autor fez, em sua obra juvenil, a crítica
da hipóstase idealista das determinações humanas, defendendo o reconhecimento
do mundo dos homens - e portanto, também, de sua produção material e imaterial
– como objetividades. É justamente nesta direção que tentaremos, também nós,
interrogar a atualidade da produção, bem como as leituras que dela têm sido
feitas. À partir de Lukács, bem como da obra de Marx, é, a nosso ver, possível
compreender e explicar porque a maior parte dos autores que trataram deste
tema, como Habermas, Negri, Tronti, Lazzarato, Gorz, etc. insistiram e
insistem, ainda, sobre determinações humanas, como as "competências
lingüísticas, as propensões éticas, as nuances da subjetividade". (Virno,
1992/2.: 52) entendidas sempre como opostas ou descoladas do trabalho2. Ao que
parece, eles entendem o trabalho à maneira de Adam Smith, ou seja, apenas como
castigo e submissão sem mais, dos homens, a um poder externo. Eles o entendem
apenas como Entfremdung. Daí porque o saber produzido na atualidade do trabalho
- na medida em que se trata de um saber produzido de forma relativamente livre
– nao é mais, segundo alguns, um saber objetivado, útil ou “instrumental”. Segundo
Gorz: “Diferentemente das concepções courantes, o saber, aqui, não aparece como
um saber objetivado, composto de conhecimentos e informações, mas como
atividade social que constrói relações comunicativas não submetidas a um comando.”
(2003: 20).
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