7/11/13

Para uma crítica do trabalho imaterial

Karl Marx ✆ Fer 
Zaira Rodrigues Vieira  |  Tomemos a definição de trabalho imaterial dada por Lazzarato: do ponto de vista de seu  ‘conteúdo’, “o trabalho imaterial é o trabalho que produz o conteúdo informacional e cultural da mercadoria (...). Do ponto de vista da ‘forma’, a atividade imaterial pode ser apreendida apenas pela ‘implicação da subjetividade’ e a cooperação produtiva do trabalhador coletivo” (1992/2: 54-55) ou ainda, trata-se da “produção e reprodução da comunicação e, portanto, seu conteúdo mais importante: a subjetividade.” (1993/2). Nossa compreensão do trabalho cientificizado é diferente do que pudemos apreender nos vários autores que trataram deste assunto. A nosso ver, trata-se de uma forma social do trabalho que permanece apresentando os traços indicados por Marx, fundamentalmente o de se constituir numa interação do homem com seu mundo natural externo (sua natureza inorgânica) e com a sua própria natureza. O trabalho atual não é algo que implique a subjetividade dos agentes de maneira exclusiva ou independente das determinações objetivas da atividade – como o entende, entre outros, também Virno.

A chave da leitura dos Grundrisse feita por estes autores talvez não seja, ela, sim, o materialismo, mas um certo tipo de
idealismo que entende os processos humanos à partir de um ponto de vista abstrato pelo qual são apenas certos complexos ideais, como a política, a ética ou a linguagem – entendidos como autônomos em relação ao trabalho e suas determinações, que podem explicar a vida humana e os problemas a ela correlatos.  Ao que parece, entretanto, a produção não se tornou, nos últimos decênios, processo comunicacional tout court ou processo ‘subjetivizado’, mas um processo social que dá forma aos sujeitos assim como aos objetos da produção. Tratar-se-ia justamente daquilo que Marx disse nos Grundrisse:
Nesta mutação, não é nem o trabalho imediato efetuado pelo homem, nem seu tempo de trabalho, mas a apropriação de sua própria força produtiva geral, sua compreensão e sua dominação da natureza por sua existência enquanto corpo social ou, numa palavra, o desenvolvimento do indivíduo social que aparece como o grande pilar fundamental da produção e da riqueza.  (1980, II: 221-223/592-594).
O trabalho, como bem antecipou Marx, não é mais fundamentalmente expropriação de tempo de trabalho imediato, mas “atividade científica em geral”, “aplicação teconológica das ciências naturais”, “apropriação de sua força produtiva em geral”. Assim como os sujeitos vêm a ser objetivamente, também eles, sujeitos sociais, no lugar dos individuos isolados no processo de produção. Neste texto de Marx, tratar-se-ia, de uma resolução da alienação [Entfremdung], da cisão entre indivíduo e sociedade. De uma resolução feita realidade no processo mesmo do desenvolvimento do capital. Superação objetiva pela qual a atividade dos indivíduos vem a ser
imediatamente universal ou 'social'; os momentos objetivos da produção são despojados desta forma de alienação [Entfremdung], eles são postos, então, como propriedade, como corpo social orgânico no qual os indivíduos se reproduzem enquanto indivíduos singulares, mas indivíduos singulares sociais. As condições que os fazem o que são na reprodução de sua vida, em seu processo vital produtivo, não foram postas senão pelo próprio processo econômico histórico - tanto as condições objetivas, quanto as subjetivas - as quais são apenas as duas formas diferentes destas mesmas condições. (Marx, 1980, II : 323)
Como sabemos, ester autor fez, em sua obra juvenil, a crítica da hipóstase idealista das determinações humanas, defendendo o reconhecimento do mundo dos homens - e portanto, também, de sua produção material e imaterial – como objetividades. É justamente nesta direção que tentaremos, também nós, interrogar a atualidade da produção, bem como as leituras que dela têm sido feitas. À partir de Lukács, bem como da obra de Marx, é, a nosso ver, possível compreender e explicar porque a maior parte dos autores que trataram deste tema, como Habermas, Negri, Tronti, Lazzarato, Gorz, etc. insistiram e insistem, ainda, sobre determinações humanas, como as "competências lingüísticas, as propensões éticas, as nuances da subjetividade". (Virno, 1992/2.: 52) entendidas sempre como opostas ou descoladas do trabalho2. Ao que parece, eles entendem o trabalho à maneira de Adam Smith, ou seja, apenas como castigo e submissão sem mais, dos homens, a um poder externo. Eles o entendem apenas como Entfremdung. Daí porque o saber produzido na atualidade do trabalho - na medida em que se trata de um saber produzido de forma relativamente livre – nao é mais, segundo alguns, um saber objetivado, útil ou “instrumental”. Segundo Gorz: “Diferentemente das concepções courantes, o saber, aqui, não aparece como um saber objetivado, composto de conhecimentos e informações, mas como atividade social que constrói relações comunicativas não submetidas a um comando.” (2003: 20).
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