Karl Marx ✆ Blumpi |
Fabio Mascaro Querido | Partindo da acedência ideológica do conceito
de modernidade, o artigo ora apresentado assenta-se na tentativa de antever
alguns aspectos específicos da proposição, comum a Daniel Bensaïd e Michael
Löwy, de que o marxismo deve se constituir como uma crítica moderna da
modernidade. Neste trajeto, busca-se ressaltar as implicações teóricas e políticas
de tal postura, conflagrada em um contexto marcado pela emergência de uma
lógica cultural pós-moderna (JAMESON, 1996), a qual colocara em questão alguns
dos fundamentos do discurso filosófico da modernidade. Para tanto, verifica-se
as formas pelas quais tanto Bensaïd quanto Löwy articulam suas críticas (a
partir de suas apropriações específicas da obra de Walter Benjamin) do
“progresso” histórico da modernidade, com ênfase especial sobre a importânciaque
eles conferem à luta ecológica, situando-a como momento indispensável da
crítica anticapitalista à lógica destrutiva do paradigma produtivo e societário
moderno –crítica que, diferenciando-se da simples recusa “pós-moderna” da
modernidade, retém (rearticulando-as) algumas conquistas e potencialidades emancipatórias
imanentes ao
mundo moderno.
Introdução | 1848 e a
emergência da modernidade
Desde os acontecimentos revolucionários de 1848, os
imbróglios em torno da modernidade tomaram de assalto parte considerável da
produção teórica nas ciências sociais e/ou na filosofia. De lá pra cá, verificou-se
a emergência de inúmeras “narrativas” da modernidade, todas vinculadas a algum
ponto de vista social, vale dizer, a uma postura determinada em face das
contradições da modernidade capitalista. Bem entendido, a generalização teórica
(e política) da noção de modernidade é tributária, em ampla medida, da consolidação
hegemônica do capitalismo sob níveis crescentemente internacionais, refletindo
a ambição dos homens modernos em compreender a si mesmo, em antever minimamente
a sua própria autoconstituição como seres propriamente modernos. Assim, “[...]
o próprio conceito de modernidade é moderno e dramatiza as suas próprias
pretensões” (JAMESON, 2005, p.46), e sua força ideológica foi tanto maior
quanto mais se exacerbaram expressões divergentes quanto a seu destino,
revigorando a profunda “capacidade de autocrítica e de auto-renovação
perpétuas”, próprias da “experiência vital” da modernidade (BERMAN, 2007,
p.17).
Sob tal perspectiva, o peso ideológico da noção de modernidade,
enquanto categoria nuclear da definição do capitalismo ainda existente, teria
se tornado tão grande, que, em última análise, só nos restaria compreendê-la,
mergulhando em suas nuances e em suas formas distintas de narrativas, almejando
assim visualizar por dentro os seus laços ideológicos, teóricos e políticos.
Para Fredric Jameson (2005,p.23), de um ponto de vista marxista, “as idéias que
se agrupam em torno da palavra ‘moderno’ [são] tão inevitáveis quanto inaceitáveis”,
o que poderia supor, ainda mais em tempos de “crise” do mundo moderno, que o marxismo,
como crítica do capitalismo, deve se constituir igualmente como uma forma de
crítica da modernidade.
Pois bem: assentando-se na imponência teórica do conceito de
modernidade, o objetivo mais geral deste texto é realçar alguns elementos especificamente
comuns nas obras de Michael Löwy e de Daniel Bensaïd, especialmente a ênfase
que eles conferem à luta ecológica e à crítica das ideologias do “progresso” e
da “razão” históricas, configuradas em torno de uma crítica mais geral da civilização
moderna. Vislumbra-se a hipótese de que, mesmo em suas particularidades, os
dois autores aludem, de modo semelhante, à necessidade de renovação do marxismo
como crítica moderna da modernidade, como paradigma depesquisa coextensivo ao
desenvolvimento do mundo moderno, sombra projetada de sua negação revolucionária.
Sob tal critério básico, excursiona-se por alguns aspectos centrais das obras
dos dois autores radicados na França, os quais são reveladores de suas formas
específicas de compreender o marxismo, em tempos de “colapso da modernização”
(KURZ, 1993), como método ainda profícuo à interpretação e –quiçá –superação concreta
da modernidade burguesa realmente existente, recusando ora o ímpeto “neo-racionalista”
de Habermas, ora as proclamações triunfantes da “emancipação virtual” do mundo pós-moderno.