15/10/13

Michael Löwy e Daniel Bensaïd | O marxismo e a crítica da modernidade

Karl Marx ✆ Blumpi 
Fabio Mascaro Querido  |  Partindo da acedência ideológica do conceito de modernidade, o artigo ora apresentado assenta-se na tentativa de antever alguns aspectos específicos da proposição, comum a Daniel Bensaïd e Michael Löwy, de que o marxismo deve se constituir como uma crítica moderna da modernidade. Neste trajeto, busca-se ressaltar as implicações teóricas e políticas de tal postura, conflagrada em um contexto marcado pela emergência de uma lógica cultural pós-moderna (JAMESON, 1996), a qual colocara em questão alguns dos fundamentos do discurso filosófico da modernidade. Para tanto, verifica-se as formas pelas quais tanto Bensaïd quanto Löwy articulam suas críticas (a partir de suas apropriações específicas da obra de Walter Benjamin) do “progresso” histórico da modernidade, com ênfase especial sobre a importânciaque eles conferem à luta ecológica, situando-a como momento indispensável da crítica anticapitalista à lógica destrutiva do paradigma produtivo e societário moderno –crítica que, diferenciando-se da simples recusa “pós-moderna” da modernidade, retém (rearticulando-as) algumas conquistas e potencialidades emancipatórias imanentes ao
mundo moderno.

Introdução | 1848 e a emergência da modernidade

Desde os acontecimentos revolucionários de 1848, os imbróglios em torno da modernidade tomaram de assalto parte considerável da produção teórica nas ciências sociais e/ou na filosofia. De lá pra cá, verificou-se a emergência de inúmeras “narrativas” da modernidade, todas vinculadas a algum ponto de vista social, vale dizer, a uma postura determinada em face das contradições da modernidade capitalista. Bem entendido, a generalização teórica (e política) da noção de modernidade é tributária, em ampla medida, da consolidação hegemônica do capitalismo sob níveis crescentemente internacionais, refletindo a ambição dos homens modernos em compreender a si mesmo, em antever minimamente a sua própria autoconstituição como seres propriamente modernos. Assim, “[...] o próprio conceito de modernidade é moderno e dramatiza as suas próprias pretensões” (JAMESON, 2005, p.46), e sua força ideológica foi tanto maior quanto mais se exacerbaram expressões divergentes quanto a seu destino, revigorando a profunda “capacidade de autocrítica e de auto-renovação perpétuas”, próprias da “experiência vital” da modernidade (BERMAN, 2007, p.17).

Sob tal perspectiva, o peso ideológico da noção de modernidade, enquanto categoria nuclear da definição do capitalismo ainda existente, teria se tornado tão grande, que, em última análise, só nos restaria compreendê-la, mergulhando em suas nuances e em suas formas distintas de narrativas, almejando assim visualizar por dentro os seus laços ideológicos, teóricos e políticos. Para Fredric Jameson (2005,p.23), de um ponto de vista marxista, “as idéias que se agrupam em torno da palavra ‘moderno’ [são] tão inevitáveis quanto inaceitáveis”, o que poderia supor, ainda mais em tempos de “crise” do mundo moderno, que o marxismo, como crítica do capitalismo, deve se constituir igualmente como uma forma de crítica da modernidade.

Pois bem: assentando-se na imponência teórica do conceito de modernidade, o objetivo mais geral deste texto é realçar alguns elementos especificamente comuns nas obras de Michael Löwy e de Daniel Bensaïd, especialmente a ênfase que eles conferem à luta ecológica e à crítica das ideologias do “progresso” e da “razão” históricas, configuradas em torno de uma crítica mais geral da civilização moderna. Vislumbra-se a hipótese de que, mesmo em suas particularidades, os dois autores aludem, de modo semelhante, à necessidade de renovação do marxismo como crítica moderna da modernidade, como paradigma depesquisa coextensivo ao desenvolvimento do mundo moderno, sombra projetada de sua negação revolucionária. Sob tal critério básico, excursiona-se por alguns aspectos centrais das obras dos dois autores radicados na França, os quais são reveladores de suas formas específicas de compreender o marxismo, em tempos de “colapso da modernização” (KURZ, 1993), como método ainda profícuo à interpretação e –quiçá –superação concreta da modernidade burguesa realmente existente, recusando ora o ímpeto “neo-racionalista” de Habermas, ora as proclamações triunfantes da “emancipação virtual” do mundo pós-moderno.